quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Tratar pessoas como vazias e Deus como distante, é indigno das pessoas; é indigno de Deus

CULTO BANCÁRIO*





por João Pedro









Não resta dúvidas que a liderança da igreja, nos últimos anos, tomou para si a responsabilidade de oferecer um local, um ambiente e uma arquitetura de culto que seja agradável para os visitantes e membros da igreja. Diferentemente de alguns séculos atrás onde o líder eclesiástico tinha que implorar aos fiéis que não fizessem suas necessidades no próprio banco da igreja, mas, que pelo menos o fizessem no chão, hoje, a iluminação, ventilação, temperatura, música, estacionamento, recepção, informação e mensagem têm sido pensados em função de oferecer o melhor para as pessoas.



Em um mundo urbano e industrializado, a vida religiosa ficou espremida a um dia da semana, e, nesse dia, as atividades propriamente religiosas ficaram restritas a poucas horas. Isso, considerando-se uma igreja normal, pois há outra tendência de transformar o ambiente de trabalho como o local do culto também. Em tempos de pessoas sem tempo, trabalha-se oito horas por dia; 4 ou 5 horas por dia são dedicadas à escola. Dependendo da frequencia à igreja, 2 ou 4 horas semanais. Sendo pouco o tempo das pessoas, é preciso elaborar um culto que seja atraente para as pessoas. Ainda mais, quando se sabe que há muitas outras igrejas que concorrem e disputam as mesmas pessoas, inclusive aquelas que já participam da igreja de onde se é líder.



Nesse tipo de engenharia do culto por causa do tempo, parece que há um padrão a ser observado: tende-se a pensar que nada de espiritual acontece entre um domingo e outro. Dessa forma, o culto dominical tem que acontecer de tudo, ser completo em si mesmo. Pressupõe-se a necessidade de se oferecer aos fiéis aquilo que eles precisam. A quantidade, substancialidade e a variedade dos “nutrientes” desse culto são meticulosamente preparados pelos nutricionistas espirituais de plantão, os “neodespenseiros dos mistérios de Deus”.



Essa lógica, porém, é alienante. Em primeiro lugar, porque o culto passou a ser uma peça de estilo estético (roupas, músicas, logística). Confunde, ilusoriamente necessidade com agradabilidade, fome e necessidade. Um culto para ser agradável não precisa ser superficial, precisa ser compreensível, somente isso. Em segundo lugar, as pessoas são tratadas como assistentes, expectadoras, passivas, clientes, consumidoras. Dá-se a elas aquilo que pressupõe-se o que elas precisam. Em terceiro lugar, considera-se que as pessoas chegam vazias para o culto, e que o naquele período do culto, numa espécie de culto bancário, serve para reabastecer o emocional, social e espiritual das pessoas. Como aviões abastecidos em pleno vôo, as pessoas vêm, veem, abastecem-se e saem.



A pressuposição de que as pessoas estão vazias é reforçada pela forma que o culto é planejado e feito. De certa forma, essa pressuposição da liderança faz com que as pessoas sejam entendidas como não tendo nada a oferecer, somente receber. No culto bancário oferece-se um produto ao cliente e espera que o mesmo pague – em dízimos e ofertas – pelo produto que recebeu e consumiu. A pessoa vem e recebe um depósito. Chega vazia e sai cheia. Essa lógica está errada porque (também) trata o culto como algo a ser consumido, de fora para dentro e não algo que se vive, de dentro para fora.



Mas, diferentemente do que a Bíblia apresenta e das pesquisas recentes, essa pressuposição se mostra mais uma vez equivocada. Como exemplo, mostra-se (1Co 14.26). Nessa passagem, o apóstolo Paulo tratou de um problema no culto coríntio. O “problema” ali não era que os crentes vinham vazios para o culto, mas o contrário, chegavam cheios. “Que fazer, irmãos”, pergunta o apóstolo, “quando vocês se reúnem, um tem... outro tem... este tem... aquele outro tem... seja tudo feito para edificação”. O “problema” coríntio não era do culto bancário, onde a liderança depositava na cabeça do crente os produtos que, pressupunha-se, eles precisavam.



Em Corinto (e nas outras igrejas neotestamentárias) o culto era realizado no sistema “uns aos outros”. Os irmãos, em diversas ocasiões, são convidados a orar pelos apóstolos; igrejas foram desafiadas a chamarem a atenção dos seus líderes, a ajudarem os líderes nos seus ministérios. O culto bancário é feito no sistema “um aos outros”. Quer dizer, o líder sabe e ensina, tem algo a oferecer e dá aos fiéis; o culto não sabe e aprende. O líder está cheio e enche; o crente está vazio e é enchido. O culto, por isso mesmo, depende da performance da liderança e por ela é julgado. Planeja-se o culto para que as pessoas tenham experiência de Deus naquelas poucas horas de domingo. As pessoas saem com a sensação de que os líderes estão cheios e dividem suas experiências de Deus com as pessoas ali no culto. Em Corinto o problema era administrar o compartilhamento coletivo, pois todos os crentes chegavam cheios. Difícil era gerenciar um culto como esse, onde todos têm algo a dar, a contribuir e compartilhar.



A experiência coríntia segue o mesmo padrão de todo o relato bíblico. Ainda que o mundo urbano e estressante tenham empurrado a vida, a vivência e a experiência espiritual para apenas um dia, Deus não se limitou a um dia somente. É fácil mostrar essa afirmativa. Ao examinar-se o relato bíblico, vê-se que Deus se encontrou com Moisés no horário e ambiente de trabalho; com Abrão foi a mesma coisa: Deus veio ao seu encontro na hora mais quente do dia, enquanto ele estava em baixo de uma árvore. Gideão estava trabalhando no trigo da família dentro de uma caverna. A Jacó, ele se manifestou durante a noite, no deserto. A mãe se Sansão estava cuidando das tarefas da casa. Deus falou com Labão enquanto perseguia seu genro. Deus falou com Cornélio durante a noite, em sonhos, na sua casa. Ele se revelou à mulher de Pilatos em sonhos, em casa (Cornélio e a mulher de Pilatos nem mesmo crentes eram). Deus falou com Paulo em um navio; se revelou a ele em uma prisão. Jesus apareceu aos discípulos no mar, enquanto pescavam, enquanto ainda era escuro.



Recentemente, autores como Dana Zohar (Inteligência espiritual), Nash & McLennan (Igreja aos domingos, trabalho às segundas) têm demonstrado, através de pesquisas, que o padrão bíblico de Deus aparecer aos homens em dias e horários diferentes do dia normal consagrado ao culto tem-se provado com as mesmas características. Pesquisas recentes têm relatado que 7 em cada 10 pessoas tiveram experiência de transcendência, de Deus, em “dias normais”, em casa, na escola ou em horário de trabalho.



Ora, se o padrão atual é o mesmo padrão bíblico como já ficou demonstrado, então os coríntios, então seria o caso de os cultos levarem em consideração que as pessoas, contrariamente do que se pensa e é praticado, que os crentes chegam com experiências pessoais de Deus, e essas experiencias elas tiveram durante a semana, nos dias “normais”. Nada de chegarem vazias. Na verdade, as pessoas chegam cheias e deveriam sair transbordando. Foi assim que o apóstolo descreveu a experiência de ser cheio do Espírito. Ele não pressupunha esse enchimento como algo que acontece no período do culto, mas algo que acontece no dia a dia, na vida normal.



Esse princípio bíblico deveria modificar a visão que os líderes têm das pessoas. Também deveria mudar a estrutura do culto. O culto seria, então, um espaço democrático, um local para se dividir a experiência comum de todos, não um momento performático de alguém; o culto seria mais a prática de uns aos outros, que aparece mais de 50 vezes no Novo Testamento, não, “um aos outros”. Culto é mutualidade, multidirecionalidade, interatividade.



As pessoas poderiam (e deveriam) ser estimuladas a ajustar o “dial” espiritual para perceberem os momentos Deus durante a semana, e, nos cultos, seriam incentivadas a dividir com seus irmãos. Essa experiência do compartilhamento foi descrita pelo salmista Asafe (Salmo 78): “O que ouvimos e aprendemos... o que nos contaram nossos pais, contaremos aos nosso filhos... à vindoura geração”. O resultado dessa mutualidade espiritual resultaria que as pessoas colocariam sua confiança em Deus. O salmista Davi afirmou que, ao compartilhar seus “momentos Deus”, muitos veriam, ouviriam e confiariam no Senhor. O apóstolo João afirmou que o compartilhar as coisas que ele se ouviu e viu traria uma comunhão perfeita entre as pessoas.



As pessoas não estão, necessariamente, vazias em igrejas cheias. Também não é verdade que as pessoas não chegam vazias para saírem cheias dos cultos, ainda que a tendência seja que se considere que as pessoas sejam como recipientes vazios em igrejas cheias. É preciso mudar a cabeça da liderança no preparo do culto. É preciso mudar a concepção que a liderança tem das pessoas em relação ao seu dia a dia e durante o culto. Uma letra do Cantor Cristão já afirmava essa verdade: “Conta as bênçãos, conta quantas são”.



Tratar as pessoas como vazias é diminuir a importância delas. Mas, principalmente, é colocar Deus em uma camisa de força, em um leito de Procusto. Dessa forma, Deus não seria mais o Deus do tempo, mas um demiurgo que se ajusta a duas horas semanais e que se recusou a revelar quando e onde quisesse durante a semana aos seus filhos. Tratar pessoas como vazias e Deus como distante, é indigno das pessoas; é indigno de Deus.



*Este texto foi pensado originalmente para os alunos do STBSB: Culto cristão e Música e Teologia, da profa. Westh Ney.

Fonte: http://www.vigiai.net/news.php?readmore=1135