terça-feira, 20 de julho de 2010

Apple: a nova religião?


Skye Jethani, no Huffington Post



Finalmente multidões de fiéis fora das Apple Stores em todo o mundo poderão colocar as mãos no seu mais recente objeto de devoção: o iPhone 4. O público deu uma primeira olhada oficial no aparelho algumas semanas atrás, quando Steve Jobs desceu de seu santo monte digital com o telefone novo nas mãos. Relatos já circularam com manifestações espontâneas de fãs da Apple, e vimos imagens em vídeo dos consumidores reagindo com ataques de euforia e como eles lutaram por sua nova aquisição.



O frenesi criado toda vez que a Apple lança um novo produto destaca um fenômeno crescente, mas pouco percebido: o poder das marcas de consumo suplantarem as religiões tradicionais na vida das pessoas. Muitos cristãos acreditam que a maior ameaça para a igreja hoje é pós-modernidade. Outros dizem que é o relativismo. Alguns acreditam que o inimigo é o humanismo secular. Há quem afirme que é o Islã. Não concordo com tudo isso. Na minha opinião, o maior desafio da igreja contemporânea é o consumismo. Não me refiro ao consumo. Não é errado consumir coisas. De fato, fomos projetados para consumir se queremos sobreviver. O ser humano que não consome é o que já parou de respirar. Neste caso é ele que agora está sendo consumido.



O consumismo que me preocupa é aquele que já se tornou uma cosmovisão. Ele gera os pressupostos incontestável de nossas vidas, e quando cruza com a fé, nossas idéias sobre culto, missão, comunidade, crença, e até Deus são profundamente alteradas. Estes são os assuntos que abordo em meu livro, The Divine Commodity (A Mercadoria Divina, editora Zondervan, 2009).



Um aspecto do consumismo particularmente poderoso é o que chamamos de branding. (Acrescente a ele a comoditização e a alienação e você terá a trindade nada santa do consumismo.) Douglas Atkins, autor de O Culto às Marcas: Quando os clientes se tornam verdadeiros adeptos, diz: “As marcas são a nova religião … Eles alimentam nossa metafísica moderna, impregnando o mundo com significado … As marcas funcionam como sistemas de significado completos”.



Sem dúvida uma das marcas mais poderosas nos EUA hoje é a Apple, e novas pesquisas mostraram que a Apple de fato conseguiu ter o mesmo impacto sobre o cérebro humano que a religião.



Martin Lindstrom é o autor de A Lógica do Consumo . Ele diz: “Apple é (como temos provado usando a neurociência) … uma religião. Não só isso – é uma religião baseada em suas comunidades. Sem as suas comunidades de base, a Apple iria morrer – ele já está enfrentando uma pressão forte ao ver sua marca simplesmente tornar-se demasiadamente ampla (e perder) a magia. O que está segurando tudo são as centenas, talvez milhares de comunidades em todo o mundo espalhando a paixão e a criação de mitos.



Acrescentando evidências de que a Apple é realmente uma religião, o psicólogo David Levine, que se identifica como fãs dos Mac, diz:



Para muitas pessoas, acho que [a comunidade Mac] tem um sentido religioso. Para um grande número de pessoas que não sente-se confortável com a religião, ela aferece um sentido de comunidade e um patrimônio comum. Acho que os usuários de Mac têm uma maneira comum de pensar, uma modo de fazer as coisas uma determinada mentalidade. As pessoas dizem que são budistas ou católicos. Nós dizemos que somos usuários de Mac, e isso significa que temos valores semelhantes.



Para saber mais sobre o poder religioso (quase de seita) da Apple, sugiro a leitura deste artigo na “Wired” que detalha as características messiânicas de Steve Jobs. Há também um documentário sobre o assunto chamado “Macheads”. No seu trailer (aqui), o filme declara: “É mais do que um computador, é um modo de vida”.



O poder de formação de identidade gerada por marcas como a Apple faz com que o ato de comprar tenha uma importância enorme numa cultura de consumo. Como Benjamin Barber escreve: “Se a marca pode influenciar ou até mesmo estabelecer a identidade, para descobrir ‘quem é’, a pessoa deverá decidir onde (e o que) irá comprar.” Isso pode explicar porque fazer compras hoje é a atividade de lazer número um para os americanos. À medida que passeamos no shopping ou ficamos na fila de uma Apple Store, não estamos apenas procurando um mp3 player, um computador ou um telefone – estamos olhando para nós mesmos. As compras ocupam um papel na sociedade que antes pertencia apenas à religião: o poder de dar significado e de construir uma identidade. “Comprar”, Pete Ward observa, “é a busca por algo além de nós “, e esse desejo “indica uma inclinação espiritual em muitas das atividades cotidianas de consumo.”



Uma pergunta que faço em Divine Commodity é: Se as marcas tornaram-se religiões, o oposto também é verdade? Religiões têm sido reduzidos a simples marcas? Acredito que há evidência disso. Pesquisadores como Barna, Gallop, e outros estão descobrindo que é cada vez mais difícil diferenciar os comportamentos e valores dos que se dizem cristãos a dos não-cristãos, com uma exceção: o que eles compram. As vendas de produtos religiosos nos Estados Unidos atingem quase US $ 7 bilhões anuais. Isso é um monte de camisetas, bonés, cuecas e até bebidas energéticas. Um líder de igreja me disse que tem ligado o “merchandising” com o nosso novo entendimento da conversão: “Conversão nos EUA parece querer dizer que nós trocamos algumas das compras que fazíamos no Wal-Mart ou Blockbuster e passamos fazê-las na livraria cristã do bairro. Levamos nossa falta de controle nas compras para ‘lojas de Deus’, onde compramos equipamentos de escritório em nome de Jesus “.



O que isso significa para o futuro da Igreja? Eu escuto muito nas rádios cristãs e vejo um monte de livros cristãos lutando contra o pós-modernismo, o relativismo e o secularismo. Mas se as pessoas, incluindo cristãos, estão construindo suas identidades e suas vidas em torno de marcas como a Apple, a igreja está lutando a batalha errada? E, talvez o mais preocupante: estamos contribuindo inconscientemente para o problema, incentivando os cristãos a construirem e expressarem sua identidade através de mercadorias com a “marca Cristo”, ao invés vez de caráteres transformados que reflitam os valores do próprio Cristo?



Só uma dúvida: Apple é a religião, Jobs o Messias… então Bill Gates seria o diabo? Nesse caso, o Windows de fato é um inferno?



http://www.pavablog.com/2010/06/30/apple-a-nova-religiao/